A história da chocante 'foto do ano' de menino palestino mutilado
- 18/04/2025
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A história da chocante 'foto do ano' de menino palestino mutilado

Crédito,World Press Photo
Importante: esta reportagem contém descrições de ferimentos de guerra que podem ser perturbadoras para alguns leitores.
"Vou me tornar piloto e jogar futebol com meus amigos", declarou com convicção Mahmoud Ajjour, de apenas nove anos, à agência de notícias Reuters, em setembro do ano passado.
Ele falava da sua nova casa em Doha, no Catar. O menino precisou buscar refúgio junto com sua família, depois que um ataque de Israel atingiu seu antigo lar, na Faixa de Gaza. Ele acabou ferido por uma explosão, que o deixou com um braço amputado e o outro, mutilado.
Hoje, o rosto de Mahmoud Ajjour e as consequências da guerra sobre seu corpo estão por toda parte. Uma de suas fotografias, tirada por Samar Abu Elouf (também de Gaza), ganhou na quinta-feira (17/4) o prêmio World Press Photo, um dos mais prestigiados da categoria.
Ajjour conta que, durante um dos ataques israelenses à Faixa de Gaza, em dezembro de 2024, um míssil explodiu perto dele, enquanto saía de casa com seus pais.
"Fiquei jogado ao solo, sem saber o que havia me atingido", contou ele à Reuters. "Eu não sabia que havia perdido os braços."
"Assim que foi ferido, Mahmoud pediu à sua mãe que o deixasse e levasse sua irmã com ela", segundo a jornalista fotográfica Samar Abu Elouf, autora da foto premiada.
"Ele temia pelas vidas delas, devido à intensidade do bombardeio. Mas sua mãe se recusou a ir embora e ficou ao seu lado, até encontrar um veículo estacionado. Assim, ela conseguiu levá-lo para o hospital."
Ajjour foi operado em Gaza com anestesia limitada. Ele acordou da cirurgia com muita dor e sem os braços, segundo sua mãe.
Quase todos os hospitais da Faixa de Gaza foram destruídos e os médicos afirmam que, frequentemente, precisam realizar cirurgias sem anestesia, nem analgésicos.
Israel começou uma operação militar sobre Gaza no dia 7 de outubro de 2023, em resposta a um ataque do Hamas que matou 1,2 mil pessoas e fez 250 reféns.
Desde então, mais de 50 mil pessoas morreram na Faixa de Gaza sob fogo israelense e mais de 113 mil ficaram feridas.

Crédito,World Press Photo
A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNWRA, na sigla em inglês) estima que a Faixa de Gaza seja o território com mais crianças amputadas do mundo, proporcionalmente à sua população.
Desde o início da guerra, foram firmados diversos acordos para evacuar as pessoas com ferimentos graves. Até março de 2025, foram evacuados mais de 7 mil pacientes, mas pelo menos outros 11 mil seguem aguardando, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Muitos dos feridos evacuados seguem para o Egito, Jordânia, Turquia ou para o Catar, como fizeram Mahmoud Ajjour e sua família.
A fotografia

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Foi no Catar que o destino do menino encontrou Samar Abu Elouf.
A fotojornalista mora agora em Doha, no mesmo complexo de apartamentos de Ajjour. Ela precisou ser retirada de Gaza em dezembro de 2023, a mesma época em que o menino perdeu os braços.
Abu Elouf conta o momento em que Ajjour tomou consciência da sua nova condição.
"Quando percebeu a situação, que é irreversível, a primeira coisa que ele perguntou à sua mãe foi: 'Como vou abraçar você agora?'"
Abu Elouf formou vínculos com famílias que, como a do próprio Ajjour e ela própria, precisaram fugir da Faixa de Gaza.
"Documentar sua história trouxe uma grande sensação de fluidez, de facilidade, porque o processo se tornou uma espécie de ritmo familiar", ela conta. "Comecei a visitar sua casa e, a partir dali, começou realmente minha relação com ele e sua família."
Ela também documentou algumas das poucas pessoas da Faixa de Gaza gravemente feridas que conseguiram sair do território para receber tratamento médico.
"Tentei selecionar as pessoas feridas com a maior diversidade possível para fotografá-las", ela conta, em um vídeo distribuído pela organização do prêmio World Press Photo.
"Isso porque encontrei algumas que haviam perdido dois membros, outras que perderam três, outras que perderam famílias inteiras e algumas dessas pessoas mais jovens haviam perdido um olho ou sofrido desfigurações faciais. Tentei refletir estas diversas realidades nas minhas fotografias para registrar esta história."
Samar Abu Elouf é fotojornalista autodidata. Desde 2010, ela documenta a vida cotidiana, as notícias e os profundos efeitos do conflito no seu país, colaborando para órgãos de imprensa internacionais, como o jornal The New York Times, a agência Reuters, o jornal suíço NZZ e o portal Middle East Eye.
Ela conta que sair de Gaza não foi uma decisão fácil.
"Senti que meu papel como jornalista fotográfica havia terminado, mas a guerra continua e eu precisava seguir procurando alguma coisa", relata ela. "Foi assim que encontrei os refugiados e quis contar a sua história."
Os custos da guerra
O júri do prêmio World Press Photo elogiou a fotografia de Mahmoud Ajjour por mostrar "os custos prolongados da guerra, o silêncio que perpetua a violência e o papel do jornalismo na exposição destas realidades".
A foto, sem dúvida, causa impacto. A forma de retratar Mahmoud, o uso da luz, a composição, o olhar e a postura do menino, de pé, criam uma imagem que imprime dignidade, sem necessidade de enfatizar ainda mais sua condição.
O júri destacou exatamente que, sem se afastar dos impactos físicos da guerra, a foto "aborda o conflito e a condição de apátrida do ponto de vista humano".
"Ela lança luz sobre os traumas físicos e psicológicos que os civis foram obrigados a suportar – e continuarão sofrendo – devido às mortes e à guerra em escala industrial", declararam os jurados, ao anunciar a premiação.
Eles também destacaram que o retrato é contemplativo e "levanta questões sobre as experiências que ainda esperam o jovem ferido, sobre a desumanização de uma região e os incessantes ataques a jornalistas na Faixa de Gaza, ao lado da contínua negação de acesso aos repórteres internacionais, que procuram expor a realidade desta guerra".
Mahmoud Ajjour recebeu tratamento médico adequado em Doha. Agora, ele está aprendendo a usar os pés para escrever, abrir portas e brincar com seu telefone celular.
Suas condições exigem assistência para as ações mais básicas, como comer ou se vestir. Mesmo assim, ele contou seus sonhos à agência Reuters.
Ele deseja conseguir próteses e viver como qualquer outra criança.